quarta-feira, 22 de agosto de 2007
considerações finais sobre a estrada sem fim da existência
‘’As estradas estavam todas desertas, eu andava e andava e não encontrava absolutamente nada. Me deu um desespero! Fugir de casa assim, enquanto o mundo acaba. É que o mundo está dentro do seu mundo hoje, é tempo de interiorizar. Ficar com a família, fazer as pazes com a vida. REZAR! Rezar, rezar, rezar, rezar, rezar, rezar feito uns condenados!’’
A personagem em voga está diante da incerteza do fim do mundo, ou do seu próprio fim. A questão da duplicidade de interpretação fica por conta do próprio espectador. Na verdade a interpretação é irrelevante, pois o desespero segue da mesma forma independente do contexto. A personagem está diante do fim e esse fim representa a redenção dos seus pecados. Ela se pergunta se os erros fazem parte de uma questão natural da existência, e/ou se realmente ela está condenada. {Aparentemente a personagem está cansada devido ao processo impaciente dessa parte do monólogo.} ‘É sempre a mesma hipocrisia, como se fosse no Natal’
‘’ Eu não tinha porque mentir, eu não tinha o que sentir, eu não tinha porque ficar. ‘’
Essa é a resposta interna da personagem num consentimento próprio de que deveria seguir as suas próprias convicções diante do imposto por convenções. O autoperdão já está inserido na personagem que, diante do fim, redimir-se externamente não significa absolutamente nada.
''Resolvi fugir, rumo a escuridão, pra dentro de mim.
Tão, Tão, Tão Vazio! ''
O ato.
Assumindo a glória individual em busca do universal.
Percorre o túnel escuro que leva até a luz de si própria...O seu próprio túnel, dentro de si mesma.
‘’ O céu está aberto a terra está fechada. Eu não quero ficar aqui e tampouco posso experimentar asas...’
Ah, a morte não chega...’’
Acima, um breve lapso de desespero e incerteza sobre a sua jornada solitária. Está cansada, pede pela morte, mal pode suportar a sua própria carne.
‘’ Então vou rezar, rezar, rezar, rezar, rezar e ficar tão leve a ponto de voar, me desprender.’’
Perde a lucidez diante do desespero, e conseqüentemente, vem o sentimento de desproteção diante do vazio em que se encontra. A única coisa que lhe ensinaram a fazer é rezar até expurgar o mal para ser aceita diante de Deus, ou a incerteza após o fim. Com um tom infantil de tão puro e quase num suspiro tenro, pronuncia a frase ‘...e ficar tão leve a ponto de voar, me desprender’’
‘’Já estou voando nessa estrada que ousei percorrer sozinha.
È tudo o que eu preciso fazer enquanto o mundo acaba....
A prece de uma garota só. ‘’
Retomando o domínio de sua própria vontade de continuar, ignora todas as passagens anteriores. A lucidez acende todas as suas convicções. Ela não teme mais nada e não quer voltar atrás: vai seguir adiante como se essa fosse a sua verdadeira prece, diferente das dos demais que estão presos em suas próprias verdades. Ela reconhece em si um poderosíssimo meio de se conhecer sendo o que ela é através dela mesma. É onde a prece começa e o medo termina, pois suas convicções são maiores que a vida e carrega dentro de si toda eternidade dentro dela.
O monólogo tem base substancial por si próprio. A explicação segue junto para que seja entendido a idéia mais básica do que é abandonar valores diante da pressão. O monólogo trata-se disso, mas muito mais que isso, ele fala sobre o desespero e a introspecção diante disso. O sentimento de descoberta diante dessa questão que leva choque do questionamento em continuar ou abandonar, a falta de lucidez por um certo período do ato de conceber a idéia de seguir adiante, em seguida o medo das dificuldades a que seu ato insere. Insere um novo domínio, que é das novas rédeas da personagem em questão. Olha para trás e tenta enxergar os velhos hábitos já cansados na alma e se fortalece para continuar sozinha, como numa prece solitária.
O monólogo visa todos os processos e direcionamentos mentais da personagem, do início a conclusão, tal qual intensidade ela se submete para tirar de si mesma a força escondida que possui para resolver se deve ou não seguir em frente.
O carro, a estrada, é totalmente metafórico. Simboliza o interno da personagem. É por isso que a estrada está vazia.
‘’É como ela se sente por dentro,
um vazio imenso,
embora predestinada a seguir mesmo assim,
sem medo do fim,
do Julgamento.’’
sábado, 4 de agosto de 2007
{{{Talvez o melhor comentário sobre Ingmar Bergman tenha partido de Jean-Luc Godard: "O cinema não é um ofício. É uma arte. Cinema não é um trabalho de equipe. O diretor está só diante de uma página em branco. Para Bergman estar só é se fazer perguntas; filmar é encontrar as respostas. Nada poderia ser mais classicamente romântico". (Jean-Luc Godard, "Bergmanorama", Cahiers du cinéma, Julho - 1958). }}}
Se na época esse era o melhor comentário público sobre Bergman, creio que ele não precisava de grandes afirmações acerca do seu trabalho, seu combustível era a sua própria vontade de desvendar a alma humana {{{ ''Os demônios são inúmeros, aparecem nos momentos mais impróprios e geram pânico e terror". "Mas já aprendi que, se consigo controlar as forças negativas e atrelá-las a minha carruagem, elas podem trabalhar em meu benefício." }}}disse Bergmam em rara entrevista.
Eu, como estudante de fotografia, inicialmente fui conduzida as imagens puras de reflexão humana através do olhar, ou seja, me senti comovida sem precisar de legendas. Foi assim que comecei a me apaixonar por Persona (1966). Encantada estéticamente, esperava por mais, esperava a confirmação de diálogo que equiparasse as imagens. Fui conduzida a uma realidade que jamais pensei fosse reproduzida, o diálogo-monólogo entre as duas mulheres (lembrando que Liv Ullmann só diz uma frase durante o filme todo) e a vontade de compreensão e amor. Cada uma se descobre uma na outra através de suas vidas e a auto-analise transcede para a convicção de suas próprias importâncias e necessidades individualmente. O filme acaba quando elas Dr.Alma (Bibi Andersson a inspirar sentimentos genuínos e reflexão através da sua atuação única no cinema) e sua paciente a atriz Elisabeth Vogler (considerada a maior atriz de todos os tempos e uma lenda viva) conseguem se situar nelas mesmas pós-tormento de suas vidas.
Pode-se considerar uma pequena sinopse, prévia ou homenagem ao melhor filme já feito no mundo, sendo que essa opinião não é somente minha. Ainda sim, há outros ótimos filmes como Gritos e Sussuros, O Silêncio, Morangos Silvestres e outros não menos importântes que eu ainda não ví, mas tenho toda convicção na minha existência que essa é a melhor obra do cinema mundial, por isso Bergman não poderia escapar a minhas euforias um tanto atrasadas já que ele morreu na semana passada do dia 30.
{{{ Um dos maiores cineastas do século 20, Bergman, 89 anos, dirigiu mais de 40 filmes. 'Morangos Silvestres', 'Cenas de um casamento' e 'O sétimo selo' estão entre seus longas.}}}
{{{http://g1.globo.com/Noticias/Cinema/0,,MUL80350-7086,00.html [Comentário de Heitor Dhalia (diretor de Nina e Cheiro do Ralo) sobre a morte de Bergman].}}}
Bergman sempre viveu uma vida isolada do que acontecia lá fora e só saia para filmar.Penso que a sua genialidade e sensibilidade vem da alma e não das buscas externas.Talvez ele já tinha demasiado, e não precisava de mais nada. Sua unica saída era colocar pra fora o que carregava dentro de si, e vendo suas obras percebo que a pretenção intelectual passava longe, e é algo que falta na maioria dos grandes ditos intelectuais. Seu cinema tratava-se de algo grande, um força que o guiava através da existência a fazê-lo sem pensar na ignorância que o cercava deveria ser seu maior desafio a parte.
Hoje em dia, sem falar na produção hollywoodiana que é um caso lamentável e necessário, o mundo Cannes e toda a produção alternativa vem surgindo em enorme demanda tamanha necessidade de explorar o mesmo mas com um olhar diferente. Reparo que nenhum desses novos diretores tenham se servido do verdadeiro Cinema. A questão óbvia dos amores, casos e vícios da alma são os mesmos de sempre, ainda com pontos a frente quando não cai na banalidade intelectual. Hoje em dia é preciso ter propriedade dos antigos mestres, é uma questão de sobrevivência agarrar-se a eles sob os títulos para não se perder do bonde rumo a Luz, só que a maioria das pessoas nunca degustaram verdadeiramente a ponto de serem realmente influênciadas na VIDA em si. Eis a questão da arte. O que é arte? Senão o combustível da vida? O que os filmes podem fazer pela vida das pessoas?
Não haverá novos mestres no cinema enquanto estes não superarem os clássicos. Lanço o desafio da superação de Persona de 1966. É possível atingir luz maior? Ou ainda as pessoas precisam aprender a serem humildes e assistir os filmes e a vida com os olhos da alma.
Filmografia completa, e breve biografia : http://pt.wikipedia.org/wiki/Ingmar_Bergman
Filmografia completa em TORRENT para baixar: bergmanbits.com (um presente - presentaço aos leitores e cinéfilos)
-Morreu também, no mesmo dia o cineasta Michelângelo Antonioni do filme 'Blow Up' de 1966. -